quinta-feira, 26 de maio de 2011

Do outro lado.

ERA UM MURO DE GRANDES PEDRAS escuras empilhadas, rejuntadas com uma massa marrom. Quando chovia, elas ficavam lisas, gosmentas de limo verde, que adorávamos arrancar com a ponta das unhas. Eu devia ter uns 6 anos. E as crianças da vizinhança não eram muito maiores. O muro ficava defronte à nossa casa, numa rua sem saída, e era tão alto que não dava para saber o que havia por trás dele. Discutíamos varias possibilidades. O muro escondia a casa de uma velha louca, que comia ratos. Uma mansão mal-assombrada, onde vivia o vampiro. Não, não, lá tem um ogro, sugeria outro.
Só havia uma maneira de descobrir: precisávamos pular o muro.
Tentamos de varias maneiras acrobáticas, subindo um nos outros, fazendo escadinha, nos empilhando sobre costas e ombros. (Nunca ocorreu a ninguém pega uma escada ou uma cadeira ou pedir a um adulto que nos erguesse.) Ficávamos com os joelhos e mãos esfolados, suados e esbaforidos. E, mesmo assim, nunca conseguíamos ver o que havia do outro lado.

Pouco tempo depois, mudamos de cidade. Cresci, esqueci o assunto. Até que, no ano passado, numa viagem, resolvi reencontrar essa rua. Reconhecendo as casas pelo caminho, de repente deparei com o muro.
E ele batia no meu ombro.
Ri sozinho. Esse era o muro gigante da minha infância? Dada a minha altura de hoje, aquelas pedras não tem mais de 1,70 metro. E do outro lado, imagine, uma casa comum, como aquela em que eu morava. Só isso.

O tempo faz essas coisas. O que hoje é enorme, difícil, intransponível... daqui a alguns anos parecerá bobagem. É assim com os medos da infância, com os dramas da adolescência, com as escolhas difíceis da vida adulta. Todos os muros que, cedo ou tarde, iremos achar baixinhos, por-que-mesmo-eu-sofro-por-isso?

Envelhecer não é sobre rugas. É, antes de tudo, sobre ganhar perspectiva. Como um quadro na parede: se você encostar o nariz nele, não vai ver nada. Mas dê quatro passos largos para trás, e eis que tudo fará sentido. Toda idade, toda fase, todo mundo têm suas crises. Elas servem para testar nossos limites, ensinam sobre a vida, obrigam a reinventar caminhos. Não é porque agora consigo pular uns muros que todos serão fáceis, mas estou certo que de que a pratica ao menos ajuda a pensar novas maneiras de escalá-los sem esfolar tanto as mãos.

22 comentários:

  1. Bruno Carvalhomaio 26, 2011

    Amei o texto, seu blog é show!

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  2. Saudades dos seu textos cômicos, suas histórias doidas que tinham no blog antigo. Volta logo com elas por favor...

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  3. Alexandra Gouveiamaio 26, 2011

    Adoro seus textos.

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  4. Junior Cariocamaio 27, 2011

    Adorei o texto...

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  5. Bruno Carvalhomaio 27, 2011

    Realmente envelhecer não é só em rugas, disse tudo"

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  6. Bruna Fasanomaio 27, 2011

    Amei o texto, essas estrelinhas são novas por aqui né?

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  7. Danielle Calheirosmaio 28, 2011

    Amei o texto.

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  8. Otáviano Souzamaio 28, 2011

    Amei o texto, adoro seu blog e essas estrelhinhas ficaram fashion!

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  9. Juliana - Bonn Alemanhamaio 28, 2011

    Adorei o texto, sua cara mesmo... Sonhador, fantasioso e muito curioso.

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  10. Marcio Françamaio 29, 2011

    Amei o texto!

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  11. Seus textos são loucos e insanos.

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  12. Livia Soledademaio 29, 2011

    Kkkkkkk... Lembro deste muro! Era louco mesmo, você ainda tinha curiosidade?

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  13. Bruna Lemosmaio 30, 2011

    Amei o texto e adorei a cara do blog, só por causa das estrelinhas né?

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  14. Fernanda Silveiramaio 30, 2011

    Amo seu blog, seus textos então nem se fala.

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  15. Lucas Gouveiamaio 30, 2011

    Adoro seus textos!

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  16. Beto Tellesmaio 30, 2011

    Adorei o texto!

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  17. Ana Paula Ramalhomaio 31, 2011

    Adoro seus textos loucos...

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  18. Adoro seu blog parabéns...

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  19. Adorei o textoooooooooo

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  20. RODOLFO MEDEIROSjunho 02, 2011

    NOSSA VOCE FOI NORMAL! MINHAS FILHAS FALARAM ISSO PRA MIM E EU NÃO ACREDITEI. GOSTEI MUITO DE SABER QUE VOCÊ QUERIA SABER O QUE HAVIA NO OUTRO LADO DA CASA. O TEXTO É BOM E AUTO AJUDANTE!

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  21. Fernanda Silveirajunho 03, 2011

    Adoro seu blog.

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  22. Muito bem escrito!

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