Quando o telefone tocou, meu roommate (Rodrigo Gregório) previu: “quer ver que é o Júlio Cézar?” – e era. Não é todo domingo que meu amigo liga, mas quase, e sempre à mesma hora: de noitinha, quando o fim de semana vai dizendo adeus e os dias úteis vão tomando, sorrateiramente, cada um de nossos pensamentos.
Embora não tenha deixado transparecer, percebi que meu roommate ficou incomodado com o telefonema. Não é que não goste do Júlio Cézar, ele adora, mas planejávamos pedir um árabe, ligar o aquecedor, assistir a um filme – e o Júlio Cézar, em suas chamadas dominicais, invariavelmente me propõe: “passa aqui, mano, vamos tomar umas cervejas!”.
Quando eu era mais jovem, achava muito estranho as pessoas contarem o domingo como o primeiro dia da semana. Levou um tempo para eu entender que estavam certas: o domingo à noite é a base de lançamento da semana. É a largada que, bem dada (tabule, aquecedor, vídeo, a leitura daqueles artigos infinitos nos cadernos culturais) te deixa com disposição para enfrentar a longa corrida com barreiras que começará na manhã seguinte.
Meu amigo sabe disso e é justamente por entender a importância da noite de domingo no equilíbrio geral de todas as coisas que fica angustiado, assim que o sol se põe, e me liga. Talvez algumas cervejas nos façam ignorar aquele canyon existencial: a segunda late em nossos rostos, a brisa do sábado ainda bate em nossas costas; à frente, livros a serem escritos, a dúvida se diremos algo relevante ou só repetiremos velhas bobagens, as preocupações com dinheiro e um evento ao qual não se deve faltar; atrás, a adolescência ainda fresca, aquelas promessas de nunca virar um bocó, trocar os sonhos pelo crediário; talvez até, mais longe ainda, a lembrança inata de outras épocas, em que andávamos à cavalo, usávamos espadas em vez do Word 7 for Windows e tanto fazia se era terça de madrugada ou sábado dez pras nove.
Às vezes eu vou lá na casa do Júlio Cézar. A gente toma umas cervejas e fica empolgado. Fala bem de nossos amores e mal de nossos trabalhos. Ele me lê um poema que acabou de escrever, eu falo de um capítulo de algum livro que estou começando a ler. A gente relembra histórias de nossos ídolos literários. Eles nos parecem tão destemidos, dizendo “sim, ao eterno” e nós, tão franzinos. Então, já de madrugada, a gente fica melancólico. Será que estamos fazendo a coisa certa? Será que não devíamos ir na direção contrária, deixar de lado a vida freelancer e abraçar uma existência globetrotter, escrever um romance, sei lá, na Macedônia? Depois disso, há um silêncio. Um de nós diz, “mano, preciso dormir, amanhã vai ser foda”, e a gente se despede que no dia seguinte é segunda e, como se não bastasse, estaremos ambos de ressaca, respondendo e-mails e enviando notas fiscais.
P.S.: Adoro o Júlio Cézar, mas todo Domingo é f***, né?
P.P.S.: Estou desapontado com a repercussão do "Tudo muito COLORIDO", escreverei em breve um texto mais complexo, aguardem.
P.P.P.S.: Meus seguidores do twitter estão me abandonando, o que foi que eu fiz? =(
É como se a cada domigo, parte de nós morresse. É tanta reflexão, propósito de mudanças. Uma melancolia que tentamos abandonar para nos agarrarmos a uma esperança de que a segunda feira não será tão ruim…
ResponderExcluirO bom é tomar as cervejas, falar dos amores e encontrar os amigos…
Melzinho, mais uma vez, adorei a crônica!
Muito obrigada!
Bjos
E a próxima segunda será feriado em minha cidade. Talvez meu domingo seja menos domingo.
ResponderExcluirVocê tem o dom!
No fim dos domingos sempre tem aquela coisa do tipo depressiva. Mas ainda bem que tem as cervejas e os amigos, afinal poderia tudo ser pior.
ResponderExcluirAbraço!
Se você quer escrever um romance na Macedônia, então vá escrever um romance na Macedônia!
ResponderExcluirO único culpado de passar o dia respondendo emails e enviando notas fiscais é você.
Eu ainda sou uma daquelas bobocas que pensa que a vida é uma só e então não há nada de errado em largar as notas fiscais pra correr atrás do que realmente queremos.
“ahhh se o que eu sou é tambem o que eu escolhi ser aceito a condição”
Ah, adoro suas crônicas!!!
Beijos,
Essa crônica combinou perfeitamente com o frio e a chuvinha que está fazendo aqui em Curitiba. Mas eu ainda gosto de fazer diferente, de viver um dia de cada vez e cada dia com certa intensidade, sem me importar com qual ele é na semana. Assim, todos os dias morre algo em mim e nasce algo novo, e melhor.
ResponderExcluirTexto engraçado.
ResponderExcluirTexto muito legal... eu tenho uma amiga que também é assim, ela me liga sempre nas horas menos proprias.
ResponderExcluir.
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Retornando
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- Como foi lá na casa do Julio Cezar?
- Nós tomamos umas cervejas e ficamos empolgados…
- E daí?
- Falamos bem de nossos amores e mal de nossos trabalhos…
- E o que mais?
- Ele me leu um poema…
- De novo “Seu Nome”, né?
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É, Melzinho. Sou um Julio Cezar domado. Aquele que pergunta pra esposa se topa uma cervejinha – apenas pra receber como resposta um “você tá louco, alcoólatra?”. Há anos venho dizendo que deveria existir sábado 1, sábado 2 e segunda. Porque essa coisa gradual de ir entrando na semana, essa melancolia, esse dia que começa leve e vai ficando pesado, até se tornar uma noite de chumbo, ah, isso é de matar.
ResponderExcluirMuita sensibilidade, belíssimas palavras pra descrever uma coisa tão do dia-a-dia, tão banal quanto a noitinha do domingo.
ResponderExcluirDesse eu vou lembrar!
E aê, Melzinho, domingo após o almoço eu entro em depressão; odeio domingo à tarde e à noite; não vejo a hora de chegar segunda-feira!
ResponderExcluirAliás, sabe qual é o melhor dia da semana?; é a segunda-feira!; sabe por que?; por que é o dia mais distante da outra segunda-feira!
Adorei o texto, muito bom... você escreve muito bem parabéns.
ResponderExcluirO Julio Cezar é teu amigo desde quando? Tenho uma amiga de infância que é assim mesmo, parabéns.
ResponderExcluirAdorei o texto.
ResponderExcluirO que aconteceu com o Tudo muito colorido? Não entendi!
ResponderExcluirNada como a melancolia de um domingo a noite para aproximar as pessoas! Certeza que cada ser humano do mundo sente o mesmo aperto na alma (como a mente puxando as rédeas e dizendo: up, up, vamos lá pra mais uma semana de estresse e correria!) naquelas horas…
ResponderExcluirAdorei o texto! Ah, e pode até ir na direção contrária, mas continue divulgando o blog para que a gente possa acompanhar as crônicas, até na Macedônia.
Pois é. É assim mesmo…
ResponderExcluirAh Martinelli, que mal que há em virar um bocó? melhor do que a presunção de achar que passará a vida inteira alimentando sonhos juvenis e ignorando a realidade das tais notas fiscais, ou do ponto eletrônico, que seja. há tempo para tudo na vida e quando a gente vive os sonhos juvenis de forma grandiosa, abre mão destes a começa a sonhar outros sonhos sem dor, aliás com prazer. mudam-se os valores e com eles os sonhos e até ser bocó pode ser uma delícia!
ResponderExcluirA vida como ela é. “Quando tudo está perdido, sempre existe um amigo”.
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