domingo, 16 de novembro de 2008

Poesia Oculta

Não, hoje não vou surfar. Acordei tão cedo que consegui ver os primeiros raios solares refletidos nos vidros dos edifícios e dando a eles uma coloração rósea que deixou a cidade com uma cara diferente da que ela costuma ter nas horas mais adiantadas do dia. Havia ali, naquele instante, 6h47m da manhã, poesia. Uma poesia com a qual nossos olhos se descostumaram. Hoje não vou surfar, preciso procurar por ela, essa poesia oculta.
E sei que vou encontra-lá em todo lugar, bastando pra isso a minha intenção. Começou. Já consigo vê-la na lombada dos livros que estão dispostos na estante, vários , um ao lado do outro, compondo um mosaico de cores e possibilidades. E na xícara de cafezinho, de louça branca, ao lado do jornal aberto, em cima da mesa, e no copo d'água, os três em colóquio matinal, clássicos do cotidiano. Ali: a poesia da caixa de fósforos quietinha na cozinha. Da mulher passando batom na frente do espelho fingindo que não está vendo seu marido a espia escondido, ele próprio também fingindo que já não se deslumbra com a cena.
A letra caprichada da criança na primeira folha do caderno. A fila de táxi no ponto em frente ao parque, enquanto os motoristas conversam e fumam aguardando os passageiros. O carrinho de supermercado abandonado no meio do estacionamento depois que todos foram, esquecido na noite. Os cachos ruivos que estão no chão do salão de beleza mixuruca, onde alguém cortou o cabelo e se arrependeu. A poesia oculta não é tão oculta assim.
Um varal com roupas puídas, penduradas numa janela de um edifício antigo. A torcida de um estádio explodindo ao ver entrar em campo o seu time. Duas adolescentes de cabelos longos cochichando e rindo à saída do cursinho. O olhar perdido da mulher dentro do ônibus. Um guarda-chuva preto.
Sua amiga que piscou o olho pra você lá do outro lado da festa, o afeto atravessando o salão e desviando dos convidados que separam vocês duas. A chama da vela que balança porque você está gargalhando. O casal que caminha na noite escura na beira da praia, agasalhados e aguarrados, achando que ninguém os vê. Um resto de bolo dentro da geladeira.
O canhoto do cartão de embarque no fundo da bolsa. A almofada que caiu do sofá da varanda por causa do vento. O vapor que embaçou o espalho do banheiro depois do banho. A mochila em cima da cama da sua filha. Seu filho dormindo.
A poesia é uma fatalidade do olhar. Basta um frame de segundo e ela se revela, para então se esconder novamente atrás da pressa, do tédio, do desencanto, do hábito, do medo do ridículo que paralisa todos nós. Eu hoje não vim Aqui para surfar, vim estimular o mistério.

Um comentário:

  1. As vesses é muito bom sair, e ficar observado tudo, isso realmente é um poesia oculta!!!!

    André - RJ.

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